quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Diálogo de Reencontro - Capítulo 02

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- Sinto um pouquinho de inveja de você. Você conheceu lugares tão incríveis, dos quais muitos eu sonho conhecer. Mas, não compreendo por que você se calou. Estava tão alegre me contando dos belos lugares e de repente ficou mudo e se entristeceu. Por quê?

Imagem: Filme - Ultimato Bourne
- Ah My Lady, nem tudo são flores. Ao mesmo tempo em que lembrei e lhe falei de tão belos lugares, também estive em lugares não tão bons. Também houve maus tratos, vi a morte de inocentes pelo abandono e pela fome, como um expectador incapaz de fazer qualquer coisa.
- Acalme-se! Você não tem culpa dessas coisas. Feliz! Feliz! Fiquei feliz por todas as boas coisas que você conheceu. Você está de volta a sua casa...
- Casa, My Lady?!?! Você sabe muito bem que eu não tenho mais casa. Minha casa se desfez quando Deus tomou minha família. Ele escolheu meus pais e meu irmão, ao invés de me levar. Naquele acidente de carro, meu pai, minha mãe e meu irmão partiram desse mundo, sobrou apenas eu da minha descendência. Você sabe, disso. Você foi me ver no funeral. Não era mais possível ficar onde estava, sendo que cada olhar para o lado era uma lembrança do meu sangue. Nesses anos que fiquei fora, vive de bicos aqui e ali. Trabalhos humildes que me mantiveram vivo e me permitiram cada vez estar num canto diferente, como um nômade eu vive. Não me orgulho de nada, e também não me arrependo de ter partido sozinho. Esperei que Deus me levasse para junto deles em alguma esquina do mundo, mas isso não aconteceu.
- Não fale assim! Eles lhe amavam muito, jamais gostariam de te ver sem seu gosto pela vida. Você se lembra do dia que nos conhecemos? Se lembra do sorriso que você tinha? Da alegria que você demonstrava brincando com o filhinho daquele seu amigo?
- Jamais me esqueci do dia que a conheci. Lembro-me bem, daquele dia. Eu brincava com o filho do meu amigo, correndo e chutando bola pela rua. Nós dois riamos, como se eu ainda fosse uma criança da idade dele. Você surgiu toda sem graça, mas parecia encantada com aquela cena. Perguntou se a criança era meu filho e pareceu se alegrar ainda mais, quando soube que o garoto era filho de um amigo, seu vizinho da rua de trás. Você entrou na brincadeira com a gente, e me conquistou com o seu carinho.
- Aquele garotinho era mesmo uma graça, imagino que já deva ser rapaz. A família do seu amigo mudou de endereço. Não tive mais contato com ele. Mas se você se lembra de tudo isso, por que não volta sorrir como naquela época?
- Não sei se ainda tenho motivos para sorrir como uma criança.
- Sempre há motivos para sorrir. Olhe ao seu redor.
- Vejo estranhos. Sinto-me um estranho. Você diz que aqui é minha casa, mas continuo a me sentir um estrangeiro em meu país.
- Você não mudou nada.
- Não?! Por que diz isso?
- Porque você continua aí, se depreciando, se isola do mundo ao seu redor, e então reclama que está sozinho. Não é mais fácil viver no mundo?!
- E onde eu vivo, My Lady, se não é no mundo?

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